A marca (portuguesa) do Zorro
On 12/05/2013 by Fernando Miguel SantosUMA GRANDE PRODUÇÃO DE UMA NOVA PRODUTORA EM TEMPOS CONTURBADOS. FOMOS ESPREITAR O SUCESSO DE “ZORRO” QUE SE ENCONTRA EM CENA NO TEATRO RIVOLI.
FERNANDO MIGUEL SANTOS, 12 de Maio de 2013, na revista Rua de Baixo
Fotografias de Andreia Filipa Cardoso
Numa época de desarranjo financeiro (bani deste texto a palavra de cinco letras que mais nos atormenta), há uma produtora que vai na direcção contrária. Qual condutor que viaja em sentido contrário em plena auto-estrada, parece pura inconsciência fazê-lo em tempos de aflição, mas não é. São como que heróis no meio de tantos arautos da desgraça, saídos de entre o povo, para agradar ao povo e, como pude ver, aclamados pelo povo. Enfim, são como o Zorro.
É exactamente esta personagem lendária que a Elenco Produções, em co-produção com a Hymnus, traz ao palco do Rivoli. E se pensam que esta produção é mais um daqueles fiascos que nos aparecem por vezes pela frente, desenganem-se! Eu mesmo duvidei e, vendo pelos meus olhos, tenho a certeza que ainda voltarei para rever a peça.
Tudo começa com as informações oficiais: um musical com uma equipa que excede os cem colaboradores, envolvida com os produtores de duas peças – Cinderela XXI e A Ilha do Tesouro – vistas por mais de cinquenta mil espectadores, uma temporada de quatro meses que nos permitirá ver e rever a peça até 1 de Junho!
As filas de bilheteira, cujos preços vão dos 7,50€ aos 17€, são longas e mostram-nos que este não é um espectáculo qualquer, impressão confirmada pelo imponente cenário. Portas, varandas, janelas, escadas, uma verdadeira Vila Garcia no palco, com a interacção dos inúmeros actores.
Não se julgue que a adjectivação é exagerada. Desde os pequenos pormenores aos artifícios que um palco como o do Rivoli permite o espectador é levado pelo outro lado da história de Zorro.
Sem idade para continuar a defender a Vila Garcia, o famoso herói decide abandonar a espada e a mascarilha, não sem antes escolher um substituto. Mas quem, dentre os habitantes de Vila Garcia, poderá ser o novo Zorro, sendo todos inaptos com a espada?
A peça conta-vos o resto!
O ZORRO
Manuel Moreira, actor conhecido do grande público pelo teatro e pelas participações em projectos televisivos, deu-nos a conhecer como é ser Zorro por tantos meses.
Como é fazer de Zorro, nesta produção e aqui no Rivoli?
É muito bom, para já o Rivoli é uma sala grande e importante, onde eu nunca tinha trabalhado. è um pouco assustador, precisamente pelo tamanho, mas é muito agradável. E, por ser no Porto, parece que nos sentimos mais em casa. As pessoas recebem-nos melhor, são mais à vontade e isso tornou as coisas mais fáceis. Eu caí aqui um pouco de pára-quedas, porque esta equipa já se conhecia toda e eu não conhecia ninguém a não ser o encenador, o Rui Melo, que foi quem se lembrou de mim para o Zorro. No que diz respeito ao espectáculo em si é quase tudo uma novidade. Eu já tinha feito algumas coisas musicais e tenho alguma formação de canto do conservatório, mas o teatro musical não é um meio onde esteja habituado a trabalhar.
Por isso, tem sido espectacular aprender com o elenco todo, uma vez que alguns têm formação em teatro musical em Portugal, Nova Iorque, Londres. O Artur Guimarães é um compositor fantástico, o Rui Melo é um encenador espectacular e por isso tem corrido tudo muito bem.
O público tem ficado muito surpreendido pelo valor de produção enorme, como se viu hoje e mesmo as escolas, que às vezes enfrentam alguns embustes com espectáculos mais pobres, saem daqui muito satisfeitas com o espectáculo.
Falemos sobre a Elenco produções. Qual é a tua opinião da produtora?
Eles são uns verdadeiros heróis, porque em época de crise e não tendo subsídios estão a fazer exactamente o contrário das produtoras que os têm, apostando em grandes produções. Enquanto os outros reduzem elencos e reduzem a aquisição de direitos, eles apostam numa produção totalmente cantada ao vivo, com dezoito pessoas em palco, com cem técnicos envolvidos e eles fazem-no porque têm mesmo amor a isto. É contagiante! O Bruno Galvão e o João Ribeiro são verdadeiros apaixonados do teatro musical, ou seja, não são produtores com uma visão apenas logística e financeira. Eles envolvem-se mesmo na produção do espectáculo. Há um ano que respiram esta história sempre em colaboração com o encenador, o compositor e a Joana Quelhas, coreógrafa. Por isso bastou deixar-me ir assim que aqui cheguei, porque desta produção só tenho coisas boas a dizer.
O que te dá mais prazer fazer? Teatro musical, como este, o teatro que já fazias ou televisão?
Eu gosto de fazer tudo. É quando mudamos de projecto que nos apercebemos que há muito para fazer. E eu tenho tido muita sorte. Sempre tive oportunidades muito diferentes como o Teatro de Garagem e o Teatro de Praga e agora aqui vim descobrir outra oportunidade de ouro para uma experiência diferente.
Em termos de encenação, quanto tempo demoraram a montar a peça?
Já havia um trabalho para trás, muito longo, de construção da história entre a produção, o encenador e a autora, Liliana Moreira. O elenco em si teve um trabalho de cinco ou seis semanas, o que é muito curto para montar um espectáculo destes, mas correu tudo bem. O Rui Melo é também um apaixonado pelo teatro musical, mas não muito adepto daquele tipo de musicais clássicos. Por isso, embora partindo dessa base promoveu algum naturalismo, que normalmente não se lhe é associado e todos embarcamos nessa viagem, mesmo aqueles que estão habituados a outro tipo de encenação e registo. Tivemos ainda a liberdade para sugerir pormenores que imaginamos para as personagens porque nenhum deles ficou agarrado àquilo que tinha imaginado para elas. Isso foi algo que me deu muito prazer.
Além da dificuldade que já existe em projectar a voz em teatro, como é cantar e, principalmente, cantar enquanto se movimentam tanto?
De início é um trabalho muito técnico, mas depois quando nos começamos a habituar às canções vamos encontrando espaço para criar ou para colocar algo que achamos que fica mais natural. Mas é difícil porque apesar de ter tido canto no conservatório não tenho uma técnica vocal apurada, como alguns dos meus colegas, pelo que foi um desafio muito grande.
E é uma peça muito física…
Sim. Tem a esgrima, que todos, excepto o Pedro Pernas, tivemos de aprender do zero em três semanas. Foi difícil, mas quando nos começou a dar gozo acabamos por colaborar nas coreografias. Foi muito divertido! Claro que é puxado ter uma coreografia de três minutos e logo a seguir ir cantar, mas depois de nos adaptarmos ainda queremos ir mais além. Ao fim de uma semana fiquei rouco, depois começamos a incluir a esgrima e achei que não ia ser capaz, mas tudo correu bem e foi a parte mais divertida de todo o processo.
Têm um longa temporada de representação.
Sim, vamos ver se o público adere. Se o público vier como tem vindo ficamos cá até ao fim de Maio. Vamos ver.
E depois segue-se outra cidade ou não?
Nós gostávamos muito de levar este espectáculo a Lisboa. A produção está a tentar, mas não há muitos teatros lá, por incrível que pareça, que tenham teia para este cenário que é muito grande e muito realista. Os três ou quatro teatros que poderiam receber o Zorro eventualmente não terão espaço na programação, mas a produção quer e vai tentar fazê-lo.
Há alguma perspectiva futura de mais colaborações com a Elenco?
Para já não há nada, mas espero que eles consigam continuar a investir em produções destas, porque não há uma cultura de teatro musical em Portugal. Isso também tem que ver com o desconhecimento, porque há pessoas apaixonadas pelo teatro musical, que vão a Londres de propósito para ver teatro musical, e que provavelmente desconhecem que cá existem boas produções. Espero que eles continuem a ter espaço porque coragem não lhes falta uma vez que se atiraram de cabeça ao três projectos que fizeram nos últimos dois anos… E se eles me quiserem a trabalhar com eles…
Há pouco falávamos de embustes e há alguns desses que têm mais projecção mediática.
Sim. Há espectáculos musicais onde ninguém canta, é tudo feito em playback, o que considero uma fraude. Aqui estão dezoito pessoas em palco a cantar, o que é uma das mais-valias desta produção.
Já conheces o lado da exposição que a televisão dá. Aqui há outra proximidade com o público, mesmo no final quando vocês saem e convivem com que vos viu…
Sim, principalmente estando numa cidade fora de Lisboa, onde as pessoas estão mal habituadas por supostamente haver sempre algo para ver. Existir alguém que aposta no Porto em produções como esta e podermos ver a alegria dos espectadores, falarmos com as pessoas no fim como hoje… Noutra exibição falei com um casal de Ferreira do Zêzere que me disse que ainda bem que tinham vindo, que a viagem valera a pena, o que dá logo outra energia para o resto do dia e para o espectáculo da noite.
A ELENCO PRODUÇÕES
Se depois de tudo o que dissemos até aqui ainda restam dúvidas da missão hercúlea que é produzir um musical desta dimensão e tão bem apreciado pelas plateias, Bruno Galvão, da Elenco Produções, explica tudo.
Bruno, ficamos realmente surpreendidos mal entramos e vimos o cenário. A peça tem uma dimensão considerável. É difícil gerir tudo isto?
Sim, mas é um trabalho de equipa. Precisamos dos cenários para a encenação, dos figurinos para verificar os timings… Os actores não estão só em palco, por exemplo, também auxiliam, lá atrás, nas mudanças de cena.
Quanto tempo tem a Elenco Produções?
Tem pouco mais de dois. Nós, eu e o João Ribeiro, já fazíamos trabalhos de agenciamento de projectos culturais, congressos, entre outros e tínhamos a vontade de produzir um musical. No final de 2010 foi quando criamos a marca e estreamos em Março de 2011 o nosso primeiro musical, o Cinderela XXI. Esgotámos os dezassete dias de exibição, fomos convidados para fazer o Natal, já com a Ilha do Tesouro e durante um mês e meio, e quando terminou começámos a preparar o Zorro.
E o próximo?
O próximo vamos ver. Este ainda tem muito que andar.
Quantas pessoas são necessárias para produzir este espectáculo?
Há seis pessoas que são como que o núcleo duro. Além de mime do João Ribeiro, o Artur Guimarães para a composição musical, a Liliana Moreira que é quem escreve os textos, a Joana Quelhas para as coreografias e o Rui Melo, que ainda não estava connosco no Cinderela XXI, na encenação. Depois temos de contratar mais pessoas por projecto e, para o Zorro, somos dez na produção. No palco são dezoito, técnicos são mais seis… Com todos os intervenientes somos mais de cem pessoas a contribuir para o espectáculo.
Vocês partem para o Cinderela XXI com que suporte?
Falando de dinheiro, o investimento foi nosso, por isso, privado. Há no teatro uma coisa agradável, que por vezes não acontece muito, que é pagar-se às pessoas. [risos] Por isso, só partimos para o projecto quando tínhamos dinheiro para o executar. Como tivemos lucro, em vez de gastarmos o dinheiro em férias, investimos no próximo, até chegarmos até aqui. O investimento neste espectáculo foi muito maior, pelo que apesar de termos muito público, não é suficiente. E nós dependemos disso para fazermos o próximo.
E penso que o preço dos bilhetes é justo. É possível ver o espectáculo por 7,50€! E é um trabalho de mais de um ano desde a ideia, a compra dos direitos, até agora.
No Cinderela XXI adaptamos a história aos nossos dias. O príncipe era uma estrela rock e o sapato uma sapatilha. A Ilha do Tesouro foi construída a partir do título. O que havia não era o que nós queríamos, por isso a história é original, mas partiu dessa ideia. No Zorro queríamos um espectáculo para todos os públicos. Gostamos de sensibilizar os mais novos para o teatro musical, uma vez que ainda há um estigma de que o musical ou é revista ou é La Féria e nós, embora respeitando muito esse trabalho, temos outro tipo de espectáculos.
Isso limita a receptividade do vosso espectáculo?
Sim, se calhar até perdemos público. Temos o objectivo de ir além dos grupos consumidores de teatro, mas mesmo nesses corremos o risco de, à parte de todas as politiquices, não recebermos alguns dos espectadores que frequentam o São João, mas que não vêm ao Rivoli por acharem que vão ver um espectáculo popularucho.
Como se pode ver, não o é. Acabamos por optar por uma personagem transversal para abranger mais público. Queríamos também a sonoridade forte, como é a espanhola, uma personagem forte e uma história com uma mensagem de valor para a sociedade. E o que aqui temos é o mais humilde da aldeia a tornar-se herói, porque na realidade todos podemos ser heróis e depois basta colocar a capa e a mascarilha.
Estão em cena até um de junho. Foi um cálculo para a rentabilização que vos levou até esta data?
Sim, porque nós calculámos isto ao cêntimo, mas também porque a melhor maneira de promover um espectáculo é o “passa-a-palavra” e em temporadas mais pequenas constatámos que quando este começava a funcionar o espectáculo já tinha terminado. Além disso este é um espectáculo para massas…
Há risco de não conseguirem continuar a fazer estes projectos?
Como nunca fazemos um espectáculo sem ter o dinheiro para o fazer, claro que esse risco existe. E também porque há pessoas que gostam de teatro mas se queixam do preço, embora depois gastem quantias semelhantes em coisas supérfluas. Acima de tudo, há uma crise de valores e instalou-se alguma preguiça nas pessoas, mesmo nas que gostam disto.
No que toca à promoção, há muitas dificuldades?
Sinceramente não. Difícil é já se ter feito tanto e tanto e depois constatar que as pessoas não vêm. As pessoas sabem que a peça está em cena, existe cobertura da comunicação social, principalmente quando associamos questões de responsabilidade social, porque se for apenas para noticiar a estreia, o empenho de tanto tempo, a negociação dos direitos é mais difícil.
Direitos? Há quem detenha direitos da marca Zorro?
Sim, a Zorro Productions, de John Gertz, é detentora dos direitos e só com a autorização deles, que a princípio nos foi negada, se pode utilizar o nome. Depois, através de carta e com um DVD dos nossos espectáculos anteriores acabaram por autorizar.
E, se John Gertz, detentor dos direitos de Zorro, concordou que a Elenco tinha capacidade para honrar este herói, quem somos nós para duvidar? A RDB não tem qualquer tipo de ponto negativo a apontar a um espectáculo que vai além daquilo que é a imagem deste país onde, diz Bruno Galvão com toda a sinceridade, “é mais fácil promover a cultura se houver responsabilidade social envolvida”.
E o valor intrínseco dos programas culturais? Num espectáculo totalmente cantado ao vivo, o Z também fica marcado na nossa memória e deixa-nos a vontade de ver a Elenco repetir projectos desta envergadura. Para isso, todos temos de ajudar, para que nada fique por aqui e para que o espetáculo possa, por exemplo, chegar à capital.
Ainda restam indecisões na hora de ir ao teatro? Ainda tens dúvidas de que ver Zorro é uma experiência única?
Se não tens, compra bilhete. Se anda existe uma réstia de cepticismo atreve-te a dar o benefício da dúvida e vai! Em Vila Garcia (e no Rivoli) todos esperam por ti!
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