
Erika Lust
On 04/12/2014 by Fernando Miguel SantosPORNOGRAFIA: A OUTRA VISÃO
FERNANDO MIGUEL SANTOS, 4 de Dezembro de 2014, na revista Rua de Baixo
Um belo tema surge nesta peça. No entanto, desenganem-se os que esperam uma entrevista isenta. Com um tema assim, que tanta influência bebe das nossas convicções, tudo é parcial. Para que se situem notem o seguinte.
A história chega até mim com uma pitada de intenções comerciais, mas é na mudança de paradigma que se encerra a sua força. Sim, continuamos a falar de pornografia, que é uma coisa séria. Na minha opinião – eis a falta de isenção de que vou falava – pode ser uma arte como outra qualquer.
É ainda pena que seja um mundo rodeado de dogmas, por dentro e por fora. Aconselho-vos, por exemplo, a visualização da entrevista de Rita Ferro Rodrigues à Erica Fontes, onde a apresentadora, vários anos mais velha, apresenta notórias falta de sensibilidade e imaturidade e onde chega a afirmar não compreender como a actriz depois gere a vida sexual em casa. Acrescenta (cito livremente) que uma mulher chega a casa cansada e às vezes o sexo já não lhe apetece, quanto mais no caso de Érica.
Não se pode ser imparcial com a tacanhez, venha ela de apresentadoras de televisão frustradas ou de juízes que condenam e negam a sexualidade da meia-idade.
Assim, quando chega até mim a oportunidade de entrevistar alguém conhecido de um meio como estes, que luta para modificar alguns preceitos instituídos desde sempre, dou a escrita ao manifesto.
As palavras que vão ler de seguida são aquelas que entabulei com Erika Lust, realizadora de cinema para adultos com propensão para agradar às mulheres. Falamos sobre os seus projectos (XConfessions e One Year of Lust) e sobre as suas dificuldade. A Erika luta profissional e permanentemente contra os estigmas e a tendência masculina na indústria, criando obras de arte num mundo efémero de instantâneos. Anda sempre preparada para redarguir, chegando mesmo a confrontar uma mente aberta de um inocente. Como eu.

Quando começou o teu interesse pela pornografia e porque decidiste realizar filmes para adultos?
Eu sou da Suécia, um país nada estranho ao feminismo. Ainda estava a crescer quando o feminismo começou a dividir-se em dois campos entre aqueles que se opunham à pornografia e os que a viam como parte da revolução sexual. Nunca tive o objectivo de escrever, dirigir ou produzir filmes eróticos, mas foi enquanto estudava Ciências Políticas na Universidade de Lund que me apercebi que as vozes femininas eram praticamente inexistentes na indústria de filmes para adultos, um género e um negócio feitos por e para homens. Um pouco mais tarde, decidi começar a mudar isso. Em 2000, mudei-me para Barcelona, onde tive aulas de realização e comecei a pensar seriamente em tornar-me realizadora. O meu primeiro filme foi The Good Girl, filmado em 2004. Foi publicado online gratuitamente e os downloads ascenderam a mais de dois milhões nos primeiros meses! Recebemos vários prémios de festivais de cinema especializados e perante tal responsabilidade decidi formar a minha companhia, a Erika Lust Films.
Acreditas, como eu, que a pornografia é uma arte?
Quando se fala de filme e cinematografia estamos a falar de arte, certo? Podemos ter clássicos cinematográficos ou os popcorn blockbusters de Hollywood. O mesmo acontece na pornografia. Podemos fazer uma obra de arte ou um produto de mercado. Cada género artístico tem os seus artistas e os seus homens de negócios, por isso não podemos generalizar isso. Digamos que os filmes pornográficos podem ser arte. É isso que tentamos alcançar na Lust Films.
Os teus interesses estão apenas relacionados com a realização ou alguma vez pensaste ser actriz?
Não sou actriz. Sou realizadora e autora e é isso que adoro fazer. Perguntarias isto a um realizador homem?
Claro que perguntaria. Não é uma pergunta machista ou preconceituosa, apenas uma forma de perceber o processo criativo. Temos vários exemplos de realizadores que participam nos seus filmes, como o Woody Allen, e actores que realizam, como o Mel Gibson…
Concordo contigo, mas esta é uma questão sensível e, por vezes, sendo uma realizadora feminista indie na indústria para adultos tenho de devolver perguntas desconfortáveis. Afinal, um dos meus objectivos é que existam mais mulheres atrás das câmaras.
Fala-me sobre o XConfessions…
O XConfessions começou em 2013 e fez o seu primeiro aniversário como um projecto plenamente consolidado e em constante crescimento, com mais de trinta curtas no seu catálogo. Acredito que estamos a fazer um novo género na indústria para adultos: sofisticada, inovadora e inteiramente interactiva com fonte no público. Considero o XConfessions o meu melhor projecto até à data, por ser inspirado pelas paixões, o sexo e as ideias dos meus fãs e seguidores…É cinema de adultos por eles e para eles. Queríamos criar uma continuidade de material para a sua visualização, em vez de terem de esperar um ano por cada novo filme. Penso também que é importante treinar o meu “músculo de realização” tanto quanto possível e dirigir duas curtas por mês é a melhor forma de tentar novas abordagens, trabalhar com um larga variedade de actores e não cair na rotina e na previsibilidade.
Porque criaste uma forma interactiva de fazer pornografia? Acreditas que todos devem usufruir dela?
Aconteceu naturalmente, quando notei que as pessoas me enviavam toneladas das suas confissões e histórias e que essas eram óptimas fontes de inspiração. Porquê dizer à pessoas o que elas gostam, quando podes perguntar-lhes directamente as suas fantasias e dar-lhes vida através de curtas-metragens? Acredito que é um grande oportunidade de se explorarem através da imaginação, caso não estejam prontos para se abrirem à realidade.
O que é One Year of Lust e porque se afirma como um óptimo presente?
Acreditamos que One Year of Lust é o presente de Natal ou Dia dos Namorados mais sexy de sempre! Ofereces a alguém uma password com direito a usufruto de um ano das nossas curtas e todo o material nos nossos arquivos. Mesmo o embrulho é engraçado, porque chega até à pessoa como um presente embrulhado num papel insuspeito que, ao abrir, revela no seu interior múltiplas imagens eróticas. Achamos que é um óptimo presente para que quer explorar a sexualidade com conteúdo sexual inteligente, respeitoso e positivo.

Achas que as pessoas temem falar de sexo e das suas fantasias?
Claro, o sexo ainda é um tabu de muitas formas. As pessoas têm medo de parecer taradas, de serem mal interpretadas. Especialmente nas mulheres existe muita pressão: ao longo da História elas não puderam mostrar ou falar da sua sexualidade. É por isso que o XConfessions permite a submissão da tua confissão anonimamente, para que todos possam exprimir o que quiserem sem se sentirem envergonhados.
Achas que os teus filmes são melhores para as mulheres?
Por um longo período de tempo, as mulheres não tiveram opção senão consumirem o porno mainstream, fruto de uma indústria controlada por homens. Hoje existe todo um novo mundo de imagens eróticas e explícitas criado por homens e mulheres. Penso que as mulheres querem sentir-se excitadas da mesma maneira que os homens, mas os botões a pressionar são ligeiramente diferentes. Ainda assim, muitas consideram o porno mainstream atractivo e excitante. Existe uma certa complexidade quanto aos desejos das mulheres. Alguns estereótipos da indústria estão saturados e as mulheres não os querem ver mais ou preferem vê-los transformados. E pretendem partilhar a experiência com os seus parceiros, participando nessa importante dimensão do sexo nas suas vidas e deixando de ver a pornografia como uma ameaça. Por tudo isto, acredito que estou a criar filmes para mulheres, homens e casais!

Porque escolheste Barcelona para trabalhar?
Por ser uma cidade muito confortável para viver e trabalhar. Cheguei em 2000 para estudar e fui ficando, apesar de não o ter planeado. Depois comecei a produzir, conheci o meu marido e agora tenho a minha carreira e toda a minha vida aqui.
O que pensas do porno da internet e dos filmes convencionais? Pretendes mudar as mentalidades e aproximar as pessoas do prazer com projectos como o XConfessions?
Durante muito tempo não tivemos outra opção senão ver o tipo de pornografia derivada de uma indústria centrada no homem. A própria palavra “porno” foi muitas vezes associada a algo foleiro, feio, chauvinista, abusivo e embaraçoso. O porno feminista está a ir noutra direcção: beleza, hedonismo e inteligência. Esses são os objectivos a perseguir quando faço filmes. Quando as pessoas vêem os meus filmes excitam-se como quando vêem porno mainstream, mas eu tento adicionar algo mais elaborado à experiência, estimulando todos os sentidos. Penso que este despertar que vivemos, com homens e mulheres inteligentes a criarem abordagens diferentes das imagens explícitas, onde a sensibilidade feminina é a chave, está a gerar todo um novo imaginário que influencia até o porno maisntream. Pouco a pouco. Afinal, se a mulher e a sua forma de se representar mudou em todos os aspectos da vida, como podia a pornografia permanecer à parte? É uma das coisas mais importantes a mudar!
Quando fazes um filme em Portugal?
Actualmente a minha equipa de produção conta com quinze pessoas. Por isso, filmar fora de Barcelona torna-se muito dispendioso, mas gosto muito de trabalhar com actores de fora e trazer algum talento internacional.

Sei que tens um actor português num dos episódios do XConfessions. Conheces o porno do nosso país?
Sim, trabalhamos com o Maximilian Gambero [nr: mais conhecido em Portugal como Bererdou]. Assistimos a todo o tipo de pornografia de todo o mundo e estamos constantemente à procura de caras novas, novos géneros de performance, mais contemporâneos e com uma atitude e um look modernos, como é o caso do Maximilian. E, claro, sendo vizinhos é algo que torna a produção mais prática, se quisermos ver dessa forma, uma vez que é mais fácil trazer alguém de Portugal do que dos Estados Unidos, por exemplo.
Achas que o guionismo é importante para a tua indústria?
Sim, muito. Presto muita atenção aos meus guiões, tenho um guionista profissional na minha equipa e discutimos os guiões vez após vez. Isso é o que faz os meus filmes perfeitos para as mulheres: a sexualidade feminina requer uma boa história que seja excitante.
É possível ter uma carreira bem sucedida na Europa, apenas com a pornografia? Ainda há mais para fazer nesta indústria?
Claro, e eu sou o exemplo disso. A pornografia está a mudar e posso garantir que há ainda muito que inovar na indústria. Se tiveres ideias boas, inovadoras e revolucionárias aconselho-te a experimentar. Afinal, escrevi um livro chamado Let’s make a porno. Além disso, ainda nos faltam muitas mulheres atrás da câmara!

Como fazes o casting para os teus filmes? Acreditas que os corpos relacionados com a pornografia convencional estão a mudar a percepção da indústria?
Primeiro, procuramos actores e actrizes com personalidades diferentes, looks fora do convencional, pessoas diferentes do esterótipo da pornografia. Mais do que um corpo, queremos uma pessoa. Tendo normalmente a procurar homens e mulheres normais, com a sua própria estética, algo único. Alguns são profissionais, o que torna tudo mais fácil no set, mas outros não são e a combinação, até hoje, tem corrido muito bem. Claro que pretendemos actores com corpos naturais. Pessoalmente, acho a artificialidade de certos corpos da pornografia convencional tão pouco excitantes como o comportamento das mulheres nesses filmes. Não sou contra as cirurgias, mas elas não deveriam escravizar-nos. Muitas mulheres são intervencionadas para manter o seu trabalho ou por acharem que serão mais bem sucedidas, mas estão apenas a preencher a expectativa de terceiros. Penso que isso entristece a generalidade das pessoas. Quanto mais confortáveis estamos com o nosso corpo, melhor é a nossa sexualidade e vice-versa. Quando assumimos a sexualidade como um facto natural da vida, relaxamos e a exploramos livremente, aprendemos a apreciar outros tipos de beleza. Os nossos gostos expandem e tornam-se, simultaneamente, mais elaborados. É um efeito dominó: gostas mais, comunicas isso aos outros mesmo sem notar, recebes feedback positivo e, no fim, sentes-te mais bonito. Sem dúvida que isto é muito mais eficaz do que cosmética e cirurgia!
Precisas de mais tempo para fazer um filme do que os outros realizadores?
EL – Uma vez que estou a trabalhar constantemente no XConfessions temos ciclos de gravações, normalmente duas vezes por ano, onde fazemos vários filmes em duas semanas. Por outro lado, estamos sempre ocupados a procurar os actores certos, os cenários ideais… Levamos a estética dos nossos filmes muito a sério, por isso penso que a produção é bastante mais longa no nosso caso.
Afinal, a pornografia, para além de ser uma arte, também é algo que merece a nossa reflexão e a visualização atenta dos pormenores. Espero que lufada de ar fresco que a Erika Lust pretende propagar sirva de lição aos mais cépticos. Os restantes… Continuem a divertir-se!
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