Não amor
On 21/02/2008 by Fernando Miguel SantosTexto publicado originalmente no projecto Arcádia XXI a 21 de Fevereiro de 2008
Há um estigma ligado ao romantismo. Negá-lo é negar a existência deste último. Se é que podemos dizer que ele existe.
A verdade é que o romantismo é quase tão diletante como a paixão pura e dura. Talvez nem exista como estilo de vida, tratando-se apenas de uma opção temporária. Não podemos nós ser românticos hoje e amanhã não?
É difícil enfrentar essa responsabilidade e cumpri-la de forma satisfatória. Há sempre um jantar, um ramo de flores, um sonho, há sempre algo que se interpõe no caminho fácil de quem não se subjuga às algemas do romance. No dia que elas se encaixam, é como se a chave fosse deitada fora, como se a liberdade estivesse presa por um pé a uma corda. Na outra ponta, uma pedra. E eis a nossa liberdade a sufocar depois de cair nas águas do tempo imenso, presa.
Na verdade, não há um único amor. Cada um tem o seu, e cada pessoa que o partilha tem dele uma versão e uma visão diferentes. Por isso, não pode existir romantismo como identidade unificada. Existe, sim, uma tentativa de corresponder a alguém, de suprir uma necessidade maior que se traduz em algo incorpóreo. Para quê tentar definir o indefinível? Porque não conseguimos deixar o importante indefinido. Simples.
E, de repente, vemos um rosto. Um cheiro e uma voz fazem-lhe companhia. Um corpo aparece. Olhos, lábios, contacto. Juntam-se, entram numa fase de banho-maria, transformam-se, unem-se e criam uma sensação. Apenas essa sensação existe, agora. Já não há indivíduo, há conjunto e parceria. Nem que seja por uma noite. Como os homens não se medem aos palmos, também as sensações não se medem ao minuto. Não há tarifa que as pague.
Então, esse não amor que insiste em catalogar estilos de vida e decidir quem é ou não valioso, cujos olhos são mais do que dois, mas olham todos só numa direcção, esvai-se. Sobra, nessa altura, o livre arbítrio. Temos espaço. Deixamos o não cair. O restante, usamos como nos aprouver, pelo tempo que for, na complacência rara da partilha com um outro e não com a sociedade. Só existem dois ali. Por mim, saio, em silêncio e deixo-os em paz. O seu não amor rejeita o amor que lhes querem impingir. Que assim seja até que a morte (do seu não amor) os separe.
Fernando Miguel Santos
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