Quando voltamos somos outros
On 02/02/2020 by Fernando Miguel SantosTexto originalmente publicado no blog Eu Sim Tu Não, a 18 de Dezembro 2008, dedicado pelas criadoras do blog aos profissionais do INEM falecidos na sua derradeira viagem ao serviço do nosso país.
Cada viagem é uma partida. Cada partida é uma expectativa, como é um abandono. Há quem fique.
Um caminho não se faz sem uma partida, mesmo que não mudemos de lugar. É um pagamento que temos de fazer, mesmo que não seja literal. Temos de trocar algo pela oportunidade de ver mais mundo. Só então nos é retribuído.
A viagem mostra-se, mas é de dentro. A partida é feita muito antes de partir. Somos já outro quando decidimos que partimos. Porque partir também é separar.
Partir é sempre separar. Separarmos cacos de objectos, separarmos fatias de bolos, separamos ligações afectivas. É esse o acto de partir.
Assim como conseguimos individualizar partes de objectos é através da partida que nos individualizamos.
Curiosamente, a retribuição não aparece se não estivermos abertos. Passa por nós e não a vemos, que é o mesmo que não passar por nós. Precisamos de estar partidos, mais abertos do que a abertura que normalmente somos e eis que algo nos congrega. É a retribuição. Então, deixamos de estar partimos e ficamos novamente prontos a partir.
Às vezes temos de nos justificar decisões pessoais até que a repetição soe a razão. É assim quando mudamos de país, quando mudamos de emprego, quando escolhemos fazer um caminho que é estranho.
Olhamos por nós, mas olhamos pelos outros. Não precisamos de partir para longe para ser longe de mais. Pode ser apenas aquele velar nocturno que oferecemos ao outro, pode ser a singela vigilância, pode ser apenas um toque.
Partimos dos nossos para os que passarão a ser nossos. Não exigimos estar inteiros.
Quando voltamos somos outros, porque da mesma forma que partimos daqui, partimos de lá, e mais peso menos peso, o que custa é partir.
Uma jornada só o é porque sabemos que há uma força que nos atrai. É ela que vence a inércia de não mexer nenhum músculo. É uma atracção que nada tem que ver com destino. Tem que ver com missão.
Quando partimos é de mãos dadas connosco. O medo é breu, mas o coração é lanterna. Em cada viagem, sabemos que um dia aquele será o nosso leito. Também vamos querer que haja alguém partido à cabeceira.
Fernando Miguel Santos
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