
Pessoas Paragens Peripécias, número 2
On 25/04/2023 by Fernando Miguel SantosO Sr. Guedes
Em 2017, a altura da minha vida de maior actividade política, fui convidado para representar os jovens na celebração do 25 de Abril. Decidi criar um discurso que incluísse tudo aquilo que a liberdade significa para mim, os valores anti-ditatoriais que me foram transmitidos, a ida do meu pai para a guerra, o que as gerações anteriores devem perpetuar para incutir a liberdade nas gerações seguintes. Criei um momento de tensão que culminou numa folha em branco, mas com dois significados: ser o que deveria bastar para continuarmos a lutar pela liberdade e ser o espaço a preencher, a história a escrever, pelas gerações vindouras. O discurso foi registado para a posteridade, (https://youtu.be/oUlRtr4gcaQ) mas este texto é sobre o que aconteceu a seguir.
O Sr. Guedes estava na plateia. Conhecia-o das lides partidárias, mas principalmente da sensibilidade. Era dirigente do Arca de Noé, uma colectividade que mantém o ciclismo como modalidade, numa freguesia onde ainda há tanto paralelo e num momento em que outras modalidades absorvem a maioria dos sonhos juvenis. Era, acima de tudo, um homem de carácter e bom coração, algo que se notava facilmente apesar da convivência esporádica.
No final do meu discurso, o Sr. Guedes veio ter comigo, as lágrimas nos olhos, para me agradecer. Nesse momento, eu não era feito de carne e osso, mas de uma amálgama de energias inebriantes e comoventes, adrenalina e embevecimento. Não estava ainda em mim quando o Sr.Guedes me pediu para fazermos uma troca. Tinha escrito um poema, dedicado ao 25 de Abril, que trazia consigo. Queria trocá-lo pela minha folha em branco. Fiquei surpreendido. Para mim, aquela folha em branco, tinha sido um meio para um fim, um instrumento para o meu discurso. Sim, tinha-a tornado um símbolo, mas, achava eu, até sair do púlpito. Para o Sr. Guedes não era assim. Aquela folha vazia, onde apenas se viam os vincos de estar dobrada em quatro, era um símbolo que ficaria. Perguntei ao Sr. Guedes se tinha a certeza de querer trocar as suas palavras por uma folha sem nada. Continuava comovido. A mão que me apertava apresentava a firmeza de quem está a sentir tudo à superfície das terminações nervosas.
Na estante que fica em frente ao local onde escrevo este texto estão, enroladas sobre si, como desde aquele dia, duas folhas. Não estão em branco.
Dizem assim:
Abril Sempre…
Francisco Guedes, 25 de Abril de 2017
O vinte e cinco de Abril
Foi lindo naquela altura
Para alguns tem sido bom
Para outros uma tortura
Que me importa a Liberdade
Se não posso andar na rua
Pois com esta que hoje temos
Nem é minha nem é tua
Armas com cravos na ponta
Foi bonito de se ver
Mas aos poucos vais morrendo
Ó meu Abril podes crer
Chorou gente de Alegria
Confesso que até eu queria
Viver num País melhor
Abril tu não tens culpa
Mas muita gente te acusa
Dizem que estão pior
Dai ao povo o que é do povo
Não lhe podeis tirar nada
Esta gente que é o povo
Aquele que mais trabalha
Há gente sem coração
E não têm compaixão
Por gente que não tem nada
Vivem da corrupção
Até nem vão para a prisão
E tudo acaba em nada
Ninguém cala a minha voz
Nem mesmo o meu sentimento
Tu destes a todos nós
Liberdade e não tormento
Alegra-me a fé deste povo
Eu sinto uma nova esperança
Eu quero um Portugal melhor
Para o Pobre e para a Criança
Eu canto a Grândola Morena
Terra de fraternidade
Eu quero um País melhor
Para a nossa mocidade
Quarenta e Três anos passaram
Trago Abril no coração
Digo sim à Liberdade
Digo não à Repressão
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