Saramago e eu
On 16/11/2022 by Fernando Miguel SantosFaria hoje 100 anos.
Visitei a Fundação que perpetua o seu nome na véspera do meu último aniversário, recordando sempre aquele dia em que apertamos as mãos. Na loja da Fundação adquiri, entre outros, A Oficina de Saramago, o livro da exposição da Biblioteca Nacional de Portugal. Retirei-lhe o celofane hoje, num misto de acaso e ritual.
Saramago celebraria cem anos de idade, mas nós, pela obra perene e essencial, celebrá-lo-emos sempre.
Falámos um com o outro a 8 de Junho de 2007, na Feira do Livro do Porto. Poderia fazer um relato pormenorizado do que ali se passou, mas o melhor é voltar a ter 19 anos. Voltar às minhas palavras desse dia. Escritas no meu primeiro blog, são palavras que misturavam experiências (como ainda hoje faço), mas mostram o sonho. Palavras de quem não conhecia o mundo literário, de quem tinha sido enganado pela primeira editora, palavras de quem não sabia sequer que caminhos a vida lhe reservaria, mas palavras que merecem ser lembradas.
9 de Junho de 2007
Saramago e eu
Ontem, fui à Feira do Livro do Porto. Por mero acaso, consultei o programa para verificar a hora de abertura e, qual não é o meu espanto, vejo o nome de Saramago. Uma sessão de autógrafos e eu em casa. No entanto, e sabendo que a guia de condução estava já na minha posse há cerca de duas semanas, nada melhor do que preparar-me e marcar presença no «meu» Pavilhão Rosa Mota. O encontro com o Nobel da Literatura de 1998 estava marcado para as 17 mas outros compromissos levaram ao adiamento. Por isso, enquanto esperava uma hora, escrevi. No meio de todo aquele mundo compus estas palavras:
«Visito a feira do Livro do Porto. A ausência do Aldeia de Luz e da Papiro não lhe tiram o glamour de sempre. Ainda acredito que um dia aqui estarei sentado a falar e a dar autógrafos. Espero por Saramago e, após o adiamento da sessão de autógrafos do nosso (sem aspas) Nobel, vejo-me no centro daquilo que um dia foi um rinque. Olho o lugar dos juízes, revisito os lugares dos amigos instantâneos, revejo-me naquela porta a orientar as equipas e relembro o 3º lugar do Custóias que tantas lágrimas me custou, essas que agora parecem querer voltar. E sinto que, pela geografia, há dois mundos a confluírem em mim, a literatura e a patinagem. Sei que depende de mim não me desligar. Não o farei, nem que para isso tenha de cerrar os dentes e quebrar os ossos que tenho ao enfrentar a inércia que por vezes se abate sobre nós.»
Fernando Miguel Santos – 8 de Junho de 2007
Com o Planisfério Pessoal de Gonçalo Cadilhe e Os Poemas Possíveis de Saramago nos respectivos sacos, ainda me levanto, pedindo a um companheiro de espera que podia ser meu avô para me tomar conta do lugar, e adquiro O Ano de 1993 para poder, pelo menos, levar dois autógrafos em vez de um. Trazia já comigo um dos meus para oferecer àquele que considero o expoente máximo vivo da literatura portuguesa. Ao lado já de muito bons nomes como Eça, Pessoa, Camões e todos aqueles incontornáveis. E, mesmo assim, ali estava.
– Em primeiro lugar, este é para si. Fui eu que escrevi. Tem a dedicatória na primeira página e essas páginas soltas, no fim, são de uma entrevista que dei em que, por acaso, falo de si. Por acaso não. Perguntaram-me de quem gostava…
– Ah, muito obrigado. Com uma dedicatória bonita, pois claro. Isto é o quê? Contos? – respondeu-me Saramago.
– É um romance.
– Muito bem.
– Esses são para mim: Fernando Miguel.
– É o teu primeiro livro? – disse o autor de Memorial do Convento, estabelecendo uma conversação para mim inesperada.
– É, tenho dezanove anos.
– Pois, realmente… Se começaste com dezanove nem imagino onde vais parar…
E, com isto, iniciou a dedicatória de Os Poemas Possíveis, enquanto uma senhora da fila me dava os parabéns. Ainda só uma palavra estava escrita quando ouço:
– Espera. Tu tens dezanove agora! Que idade tinhas quando começaste a escrever o livro?
– Dezasseis.
– Bff.. Que susto! – disse um dos meus modelos, olhando para mim e depois para a senhora que se encontrava ao meu lado.
Já eu tremia e achava que aquilo era bom de mais quando, não me canso de repetir, o único escritor português que possui o maior galardão da literatura assina O Ano de 1993 e lê a dedicatória em voz alta:
– «Para Fernando Miguel um abraço, colega.»
E, dito isto, esticou-me a mão, piscou o olho e desejou-me felicidades.
– Obrigado, igualmente. – respondi simultaneamente mais pequeno e muito maior.
Afinal, a Papiro estava lá. Confirmei-o quando duas senhoras que estavam na fila me disseram que iam estar atentas ao meu trabalho. Estava a Papiro mas não o Aldeia de Luz. Mas, depois daquele momento, será que isto importa?
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