Covid-19: Beijar a cruz
On 13/04/2020 by Fernando Miguel SantosPor si só, a tradição de beijar a cruz já é um atentado à saúde pública. O argumento de que a imagem que circula de boca em boca é desinfectada não serve. O dispositivo de desinfecção, seja ele qual for, não é mudado do início ao fim da actividade, não sabemos ao certo que produto é usado, não sabemos como estão as mãos de quem o transporta…
E, por favor, não venham argumentar que na vossa paróquia é diferente, porque as excepções, que eu duvido que existam, só confirmam a regra.
Já lidei com imensos clérigos na minha vida, de várias religiões e credos, com vários tipos de atitudes. Há boas pessoas entre eles, sem dúvida, mas a maioria parece viver numa redoma de vidro. A sua fé é demonstrada com sobranceria, como se fossem donos de uma verdade que é só deles e mais ninguém tivesse direito à razão.
Assim é, também, no caso do ritual de beijar a cruz. Não sou crente, mas gostaria de perguntar a quem tem fé: acham que no meio deste caos instalado pelo Mundo era esse comportamento de risco que Deus gostaria que praticassem?
Tiremos Deus da equação, por agora. Imaginem apenas a Páscoa de todos aqueles profissionais que estiveram o dia todo equipados da cabeça aos pés. Imaginem aqueles doentes deitados de barriga para baixo, ventilados, a receber por sonda nasogástrica mililitros bem calculados de uma alimentação entérica bem diferente do vosso cabrito. Imaginem que era o vosso filho, os vossos avós, pai ou mãe.
Quantos de vocês que transportaram uma fonte de contaminação em forma de Cristo crucificado gastaram um pouco do vosso tempo a pensar nesses profissionais e nesses doentes? Nessas pessoas que, pela força das circunstâncias, têm dificuldade em sentir a fé que sempre tiveram?
Eu não tenho, mas conheço melhor a Bíblia do que a maioria daqueles que conheço. Já a li algumas vezes. Não tenho nada contra a fé de ninguém, mas tenho tudo contra quem a quer impor a outros ou quem a pratica para além daquilo que é razoável. Por isso, se para vocês que gostam de exibir a vossa fé – ou deveria dizer crendice? – e se arriscam a contaminar um grupo de idosos apenas para manter uma tradição, vou utilizar o vosso Livro Sagrado para vos caracterizar.
Vocês são como os fariseus. Batem no peito, gravam vídeos para as redes sociais, rezam ao gritos e fazem alarde daquilo em que acreditam. Não merecem a consideração daqueles que humildemente se recolhem na sua casa. Alguns deles também rezam, mas em silêncio. Sem sair às ruas para se exibirem, rezam por aqueles que amam e por aqueles que estão a dar o corpo às balas nesta guerra já perdida para todos os que partiram. Esses merecem o meu respeito.
Neste momento, deixem de ser fariseus. O vosso exibicionismo não condiz com as condições do mundo e é um desrespeito para a vossa fé e para todos aqueles que tentam salvar o mundo desta catástrofe.
Rezem em casa.
No mínimo, passem a ser Pôncio Pilatos. Terão sangue nas mãos por disseminarem uma doença, mas pelo menos estarão lavadas.
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